Transgressão de Valores Humanos: o Herói NÃO É MAIS o Mocinho!

Anti-Heroi                      Darth Vader

Os vilões e anti-heróis há já pelo menos duas décadas vêm conquistando a atenção dos mais jovens na nossa cultura, influenciados principalmente por jogos e filmes americanos, cuja cultura – ao contrário do que os USA insistem em divulgar – é repleta de agressividade e preconceitos, fazendo da tão proclamada ‘Democracia’ algo a ser definitivamente questionada, em lugar de continuar a ser aplaudida e ‘copiada’ por nós, sem qualquer reflexão mais profunda.

Até final do século passado (séc. XX), percebíamos um certo ‘equilíbrio’ na apresentação de estórias de livros, filmes e jogos onde os personagens eram incentivados a ter atitudes de ‘Colaboração’ entre os elementos do grupo, para garantir que o Grupo, a Equipe, fosse considerada vencedora. E neles, Heróis e Vilões apareciam lado a lado, mas no final os Heróis venciam os vilões.

De repente, os Anti-Heróis começam a ganhar espaço nas Mídias, que percebem aí um ‘filão’ de comércio a ser explorado, passando a incentivar a participação dos adolescentes e jovens em esportes e jogos interativos cada dia mais agressivos, egoístas, ‘individualistas’.

Tanto a figura do Herói, quanto a do Anti-Herói têm algumas características comuns – ambos lutam e vencem sozinhos.

Entretanto, enquanto o Herói luta para ajudar uma Coletividade, buscando a Justiça e Bem Estar de Todos, o Anti-Herói luta somente visando seus próprios objetivos de obter maior Poder, enriquecimento ilícito e a destruição dos tradicionais Valores Humanos que formam as bases fortes de sustentação de uma Sociedade de características Humanas. Os Anti-Heróis demonstram ter uma personalidade mais individualista, egoísta e mais agressiva, com total desvalorização da Vida e do Bem Estar Coletivos.

Com as Mídias elevando o número de filmes, HQ e Desenhos animados mostrando essa agressividade instintiva como algo positivo na vida dos Anti-Heróis, a Sociedade Educacional começa a perceber comportamentos agressivos e desrespeitosos não só dentro das famílias e nas escolas, mas também nas reuniões sociais, incluindo agora também crianças menores, por imitação, que passam a se sentir atraídas por bonecos e brincadeiras que demonstram ações de maior agressividade. Assim, cada dia mais cresce a quantidade de fãs adeptos do uso da AGRESSÃO ao outro (ou outros) com atitudes destruidoras, em qualquer lugar ou situação, e com qualquer pessoa, chegando a matar inclusive os membros da própria família. O que antes se resolvia com alguns ‘socos’ e pontapés, hoje se resolve matando o outro – que, numa briga por qualquer besteira, transforma-se num ‘Inimigo’ a ser exterminado.

– Você já se perguntou por quê atitudes negativas, até mesmo cruéis a ponto de chegar a ser classificadas como absurdas, ganharam tanto espaço na Mente (sentimentos, emoções e razão) das novas gerações?

– Por que as novas gerações se sentem tão ameaçadas na vida real, e ao mesmo tempo tão atraídas por personagens de caráter tão negativo, agressivo, parecendo se sentir mais importantes e respeitadas ao agir dessa forma, do que ter atitudes de amor, carinho, cooperação e respeito junto às pessoas a sua volta?

Exemplos da vida real: http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/musas-do-crime/

Essas figuras negativas passaram a ser ainda mais exploradas e mostradas também nas nossas Novelas, de gosto tão popular entre nós – tornando-se figuras relevantes entre os personagens. Percebemos nas novas gerações (e nas mais antigas também) uma tendência muito forte em querer reproduzir, na vida real, atitudes Negativas e Desclassificatórias mostradas nas nossas televisões.

Será isso uma tendência a ser ‘copiada’ também em outros países, outras culturas mais elevadas do que a nossa – que parece estar disposta a assimilar apenas as ‘influências negativas’ dos outros povos que aqui vivem?

  • Por quê Personalidades Negativas atraem tanto os nossos adolescentes e jovens?

Onde estamos falhando na Educação que temos transmitido aos nossos jovens levando-os a preferir se transformar em simples ‘cópias’ de exemplos deploráveis de personalidade, em lugar de serem admirados pelas Qualidades em Valores Humanos – únicos capazes de garantir um convívio em Harmonia com qualquer pessoa ou sociedade, em qualquer lugar do mundo?

É fato que Vilões não chocam mais tanto quanto antes e a Imagem do Anti-Herói é cada vez mais aceita na nossa Sociedade, substituindo assim o antigo arquétipo de Herói.

Você já se perguntou por que estas figuras comumente protagonizam obras inteiras hoje em dia? O que explica a atração fatal exercida por esses malfeitores, sobre nossos adolescentes e, até mesmo naqueles ‘adultos’ imaturos, por mais hediondos que sejam seus atos?

Generalizando, de alguma forma indivíduos mais novos e imaturos, com necessidade maior de se autoafirmar, sentem uma certa admiração por vilões e anti-heróis. É quase irracional.

Parei pra pensar e na mesma hora consegui montar um ‘top 05’ de salafrários que parecem atrair mais os ‘inseguros’. São eles: Darth Vader, Hannibal Lecter, Alex Delarge, Dexter Morgan e Nucky Thompson. São alguns desses seres que arrebatam os corações com suas vidas multifacetadas e, algumas vezes, incompreendidas. A paixão é instantânea e caminha lado a lado com o desprezo.

E há uma explicação para isso, ou melhor, Uma não, Três!

  • A humanização da Vilania – o fraco que mata nos comove mais que o Forte que nos Salva

Figuras imperfeitas e sem qualquer vocação heroica, que realizam a Justiça, sim, mas por Razões Egoístas e Vingativas, ou através de Meios Duvidosos, são os protagonistas da maioria das melhores produções recentes do cinema americano, das nossas Novelas televisivas e Romances internacionais. Este tipo de personagem é um recurso precioso numa boa narrativa audiovisual, porque aproxima ainda mais o espectador/leitor à trama.

O efeito de Atração é provocado por intermédio da Humanização proposital das causas e perfis dos Vilões e Anti-Heróis, sugerindo situações, aspirações ou pensamentos que a grande maioria dos adolescentes (e adultos imaturos) traz em si.

Para ilustrar melhor, peguemos como exemplo, Walter White, de Breaking Bad – eleito o anti-herói mais impressionante dos últimos 20 anos. Walter se tornou um professor de química exemplar, ainda que isto não o fizesse realmente feliz, mas um homem precisa prover sua família; teve uma vida humilde e pacata, fez tudo o que a sociedade exige de um pai para, numa brincadeira de mau gosto do destino, ser diagnosticado com câncer terminal. E agora?

Ter uma bomba relógio sobre a cabeça faz o senhor White acordar quase de supetão, resultado da incerteza de logo ter de partir e deixar esposa e filho na sarjeta. Para garantir a estabilidade de sua família e custear a quimioterapia, ele passa a “cozinhar” metanfetamina, traçando um caminho de péssimas escolhas, as quais constatamos mais tarde serem reflexos de uma personalidade insatisfeita consigo mesma, insegura, orgulhosa e cheia de arrependimentos.

  • “Eu não estou em perigo, eu Sou o Perigo.”

Walter embarca então numa metamorfose motivada pelo desespero. Diante dos nossos olhos, o bom vizinho se transforma em um chefão do tráfico de drogas, capaz de passar por cima de qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Como ele mesmo se define num ataque de deslumbre súbito: “eu não estou em perigo, eu sou o perigo”.

E como culpá-lo, uma vez que as ações iniciais eram nobres? Além disso, tantas vezes nos pegamos querendo jogar tudo para o alto, desejando que nossas vidas fossem diferentes ou que nos reconhecessem por algo que realmente sabemos fazer. Este é um das dezenas de exemplos geniais que temos no mundo da Vida Real que é transposto para o mundo do Entretenimento…, tornando-se péssimos exemplos para nossos jovens.

Enquanto existem esses exemplos negativos ganhando força entre adolescentes, também conhecemos exemplos fantásticos de superação de dificuldades que a Mídia não parece ter qualquer interesse em mostrar, divulgar e incentivar entre as novas gerações.

Por quê essa mesma Mídia que incentiva jovens a se espelhar em personalidades negativas, não usa os exemplos Positivos dos que superaram suas piores dificuldades como Pessoas de Bem e do Bem, Heróis de suas próprias vidas, contribuindo para o resgate dos Valores Humanos também intrínsecos ao Homem?

  • A Psicanálise explicando o Encanto por Bad Guys

Em 1899, Sigmund Freud, esclareceu muito bem o fascínio por sujeitos malvados com a sua 2ª Tópica do Aparelho Psíquico, ainda que a motivação de seu estudo não fosse especificamente essa.

Segundo o criador da Psicanálise, a nossa psique é dividida em três instâncias que interagem entre si: o id, o ego e o superego.

id corresponde ao puro instinto, à impulsividade, à satisfação pessoal ou solução do problema. Desconhece completamente os limites ou a lógica, se isentando de responsabilidade e altruísmo.

Já o superego vai contra isso, representa os pensamentos éticos e morais internalizados, a recompensa social em seguir regras. Os objetivos principais são inibir impulsos, forçar comportamentos aceitos pela sociedade e nos conduzir à ideia de Perfeição, ainda que ela seja inalcançável.

Enquanto o ego, basicamente é o que medeia estas duas instâncias, equilibrando o primitivo e o socialmente correto.

É claro que o Equilíbrio entre eles é variável e adequado a cada pessoa, além de não permanecer o mesmo durante toda nossa vida, ou seja, há momentos em que o id se manifesta mais que o superego e vice-versa.

Isso nos leva à nossa próxima pergunta:

– O que isso tem a ver com o tipo de personagem que nossos jovens gostam? Absolutamente tudo!

A personagem é um artifício usado pela nossa Mente para trazer instintos à tona de maneira admissível, funciona como uma ‘válvula de escape’. No caso dos Vilões e Anti-Heróis, que cometem crimes terríveis e atos capciosos, eles seriam o Espelho do nosso id em maior ou menor escala.

Transformar impulsos rejeitados pelos bons costumes em uma personagem e não ser responsável por isso é o que causa o reconhecimento imediato.

Assim, passamos a aliviar esses desejos irracionais reprimidos, exatamente na ficção que, afinal, está distante e não nos traz nenhum prejuízo e nem nos envergonha perante o mundo.

E quando a ficção se encarrega de castigar ou levar esses bandidos à redenção, a ligação psíquica aumenta ainda mais, porque nos incita a crer que transgredir regras é o mesmo que sofrer.

“Temos o êxtase com as ações sórdidas do vilão (id), para logo entendermos que escolhas erradas podem trazer consequências pesadas no final (superego).”

Uma prova concreta da expressão livre do id é a performance feita por algumas personagens insanas das novelas que a Rede Globo mostra. Para elas, nem preciso citar exemplos, pois todos conhecem e identificam.

Outra ideia que contribui perfeitamente para a afeição aos Anti-Heróis é feita pelos mais jovens, ou nem tanto, porém, que permanecem imaturos, é que os Vilões são muito mais atraentes e carismáticos que os Mocinhos. São geralmente amparados por uma complexidade sem tamanho, tornando-os de longe mais interessantes e curiosos para as pessoas imaturas. A atmosfera sexy em volta dessas figuras as torna um elemento irresistível.

Indo mais além, existe um elo incontestável entre o fascínio por Vilões e Anti-Heróis e a própria História da Humanidade. Não à toa, Freud institui a 2ª Teoria das Pulsões em 1920, logo após a Primeira Guerra Mundial, para tentar explicar a origem da Agressividade Humana. Esta é a terceira peça do nosso quebra-cabeça.

  • Séculos de desgraças refletidos numa geração pós-moderna

Numa rápida análise na história da humanidade, é possível perceber um enorme rastro de destruição. Inegavelmente, os séculos 20 e 21 são os principais responsáveis pela maneira como nos comportamos, vivemos e pensamos hoje em dia. O período entre 1900 e o ano presente foi marcado por uma série de eventos significativos e catastróficos, rendendo ao século 20 os apelidos “século sangrento” e “Era dos extremos“.

Você pode não acreditar, mas alguns desses episódios são fatores consideráveis na nossa simpatia pelos vilões e anti-heróis.

“Assassinatos em massa, grandes crimes e escândalos, desastres, tragédias naturais, avanços tecnológicos e instauração da era digital, expressivos movimentos de contracultura, notáveis invenções, nascimento do capitalismo, guerras e diferenças ideológicas são alguns acontecimentos que permearam a trajetória do homem até aqui. Vimos o mundo virar de cabeça pra baixo, num intenso processo de transformações drásticas.”

Segunda Guerra Mundial é o que podemos considerar o pico das maldades do século 20, catapulta para o espantoso ataque atômico às cidades de Hiroshima e Nagasaki pelos EUA, dividindo a nossa história num claro ‘antes e depois’, sem qualquer sombra de dúvidas.

De lá pra cá, viramos metamorfoses ambulantes, indo de pessoas pouco questionadoras a totalmente revolucionárias. Uma sociedade inteira baseada em novos hábitos e vícios (bons e ruins), no Consumo Desenfreado de produtos descartáveis e na banalização da privacidade dentre tantas outras coisas. Para completar, no século seguinte (este em que estamos vivendo), presenciamos milhares de vidas serem arrancadas de maneira inesperada com o ataque às Torres Gêmeas, algo que abalou estruturas políticas e sociais.

Tivemos uma evolução imensurável em questões de Tecnologia, mas enquanto Raça Humana continuamos dominados por nossos instintos e emoções negativas em nossas atitudes do cotidiano, criando a nós mesmos, muito mais problemas do que soluções. Devido aos resultados da nossa capacidade tecnológica, registramos na memória que somos capazes de qualquer coisa, desde algo que parecia impossível, como a exploração do espaço, até a atos tristes e surreais, como o Holocausto.

Por outro lado, o sentimento de Imperfeição absoluta está impregnado nas nossas Mentes, o que explica a tendência da juventude (ou Imaturidade Humana) em preferir vilões e anti-heróis. Se o herói é a certeza, o anti-herói é a dúvida (e nós também) logo está aí o ponto chave da nossa identificação com anti-heróis.

“Entretanto, dizer que a ‘Perfeição foi posta de lado’ e por isso entramos num tempo em que os conceitos de Bem e Mal são relativos e adaptáveis, é uma tentativa não de ‘correção de rotas’, mas de simples ‘acomodamento’ da nossa Mente preguiçosa para Vencer suas frustrações e seu sentimento de Impotência diante das tragédias.”

Fomos criados na dura realidade de que tudo é possível, justificativa direta do motivo de ficarmos menos abismados com mortes abruptas de protagonistas, ainda que sejam bonzinhos. A aceitação das mudanças violentas de roteiros mostra que nosso instinto de preservação de nossa vida ainda é forte dentro de nós – preferimos não questionar situações de difícil compreensão e envolvimento emocional para não adoecermos ou ficarmos loucos. Essa é a tonicidade dos contos contemporâneos. Neste contexto, faz muito sentido se interessar mais pelos vilões e anti-heróis (personagens que se apresentam como Vítimas da Vida), do que pelos Heróis, capazes de superar obstáculos intransponíveis.

Anti-heróis produzem e reproduzem diversas práticas morais negativas. É possível inferir isto a partir do que ressalta Adolfo Sánchez (2005): “O emprego dos meios adequados não pode entender-se quando se trata de um ato moral – no sentido de que todos os meios sejam bons para alcançar um fim, ou que o fim justifique os meios. Um fim elevado não justifica o uso dos meios mais baixos, como aqueles que levam a tratar os homens como coisas ou meros instrumentos”.(VÁSQUEZ, 2005, p. 78).

De acordo com o Fim, os Meios e a Consciência (ou ausência dela) do ato, é possível analisar o Comportamento Moral de indivíduos reais (aqueles agentes de atos concretos). O Fim, os Meios para atingi-lo e a Consciência que levou ao seu Desfecho, qualificam a Pessoa que o pratica como Criminosa, Anti-herói, e seus Atos como Anti- Valor.

Meus caros leitores conseguem identificar aqui no Brasil, alguns políticos que se enquadram nesse perfil de Anti-Herói que descrevi?

Angela Alem                                                                         13 de Agosto de 2015

2 comentários sobre “Transgressão de Valores Humanos: o Herói NÃO É MAIS o Mocinho!

  1. Excelente texto, minha querida Angela Alem ❤ ❤ . Transmite muito bem todas as questões principais que se encontram por detrás das personagens de Anti-Herói e Vilões, dos filmes, livros e banda desenhada.
    Texto compreensivo e muito bem escrito. Parabéns.

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